Artigos

“Na calada da noite” ou

“A imprensa continua a mesma”!

(Ernesto Germano – em dezembro 2007)

 

    Matéria no caderno internacional do Jornal do Brasil, em 14/12/07, destaca e comemora que “Os líderes da União Européia assinaram nesta quinta-feira em uma suntuosa cerimônia no Mosteiro dos Jerônimos de Lisboa o novo tratado que substitui a fracassada Constituição européia, e que deve facilitar as decisões no bloco (...)”. Outros jornais brasileiros noticiaram o fato, com maior ou menor destaque, mas todos aprovando a medida.

    Qual o problema? Simples! Mais um golpe bem urdido pelos neoliberais e pela direita européia e mais uma manipulação da notícia que só envergonha a profissão de jornalista.

    Em 2003, depois da ampliação da União Européia, os líderes liberais tentaram criar um modelo de Constituição comum à região, mais adaptado à ideologia de redução do papel do Estado e retirada dos direitos sociais. O problema é que este modelo de Constituição teria que ser aprovado pelos países membros e uma cláusula dizia que se um só país votasse contra todo o projeto seria suspenso.

    Alguns resolveram o problema de forma bem pouco democrática: Alemanha, Áustria, Itália, Bélgica e mais alguns resolveram fazer “eleição indireta” e os parlamentos bem afinados com a direita votaram favoráveis. A Inglaterra, Polônia, República Tcheca e outros ficaram aguardando os demais resultados. França, Holanda e Dinamarca convocaram plebiscito para a aprovação. E aí aconteceu a surpresa! Nos três o povo deu um sonoro “não” (54,86% dos votos) à Constituição proposta pelos liberais.

    Vale destacar que, na época, Nicolás Sarkozy era ministro do Interior francês e fez campanha aberta pelo “sim”, sendo derrotado.

    Durante muito tempo o projeto liberal de uma Constituição “flexível” para a União Européia ficou aguardando por melhores momentos. Sarkozy, agora eleito presidente da França, saiu pelo mundo defendendo Bush e tentando articular um grupo de apoio para evitar a queda do dólar. E agora nos surpreende com esta reunião no Mosteiro dos Jerônimos, onde ele foi peça chave, fazendo aprovar a nova Constituição “na calada da noite”, sem consultas e sem plebiscitos.

    E agora a minha perplexidade com a imprensa brasileira. Um presidente passa por cima da decisão do povo que votou “não”, assina um acordo às escondidas no alto de um mosteiro e protocola a mudança constitucional. E nossa imprensa o apresenta como um “grande estadista da atualidade”. Outro presidente realiza um plebiscito para mudar a Constituição, é derrotado e aceita a decisão do povo. Nossa imprensa o apresenta com “ditador”.

    Sarkozy passa por cima da vontade popular e é tido como “democrata”, Chávez acata a decisão do povo e é “tirano”. Estou fascinado com a nossa imprensa!

.............................................................................

 

Liberdade de imprensa?

(Ernesto Germano – escrito em outubro/2006)

 

            Bilal Hussein é um fotógrafo profissional, credenciado e contratado pela Associated Press (AP), com inúmeros trabalhos publicados e conhecido entre os melhores profissionais do jornalismo pelas suas denúncias. Detentor de vários prêmios Pulitzer, ele surpreendeu o mundo com suas fotografias mostrando a verdadeira face do exército de ocupação estadunidense e as atrocidades cometidas em Ramadi e Fallujah. Recentemente, publicou seu álbum com as 420 fotografias selecionadas mostrando o massacre dos soldados das forças de coalizão contra a população civil. Suas imagens de casas, hospitais e escolas destruídos são um grito de alerta contra a barbárie.

 

            E, é claro, com tudo isto ele atraiu sobre si o ódio dos poderosos “senhores da guerra”. Os neoconservadores dos EUA, através de páginas na internet, exigiam punição e censura ao seu trabalho, sob alegação de que estava maculando a imagem do país e prejudicando a luta contra o terrorismo internacional.

 

            Bilal Hussein foi feito prisioneiro no dia 12 de abril deste ano, em Ramadi, e está detido em Camp Cropper, próximo de Bagdá. Até agora, quase seis meses depois, nenhuma acusação formal foi apresentada contra ele, não foi julgado e não há data marcada para julgamento. Oficialmente, o exército dos EUA diz apenas que sua prisão se dá por “razões imperativas de segurança”! Um major estadunidense, Jack Gardner, declarou que Bilal Hussein “tem vínculos muito estreitos com pessoas... responsáveis pelos ataques às tropas da coalizão”.

 

            De resto, só o silêncio. Nenhuma agência de notícias fala de Hussein e não se levanta uma só voz para exigir sua liberdade ou denunciar a violência contra ele.

 

            Mas os nossos jornais e revistas abrem todo o espaço possível para uma certa Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) que, em seus muitos relatórios, não se cansa acusar Cuba e Venezuela de estarem cerceando a liberdade de imprensa.

 

            A SIP foi criada em Cuba, em 1943, sob o regime do ditador Fulgêncio Batista. Depois transferida para Miami, recebe oficialmente verba do Congresso dos EUA para produzir análises sobre a liberdade de imprensa na região. Sem esconder seus propósitos, a Sociedade resolveu batizar seu edifício-sede com o nome de Jules Dubois, um conhecido agente da CIA que se dedicou integralmente a cooptar os grandes jornais latino-americanos para a causa estadunidense. Dubois foi responsável por uma eficiente rede de grandes jornais que deram sustentação aos golpes militares das décadas de 1960 e 1970.

 

            Enquanto a SIP clama por “liberdade de imprensa” na Venezuela e em Cuba, Bilal Hussein permanece no cárcere estadunidense, agora ainda mais ameaçado com a nova lei aprovada pelo Congresso que autoriza o uso de tortura nos prisioneiros.

          

            Nota: escrevi este artigo em 2006. Hussein foi libertado em 2008, mas vive sobre “liberdade vigiada” porque o governo dos EUA o considera “espião e simpatizante da resistência iraquiana”! Isto é “liberdade de imprensa” para os EUA! 

.........................................................................................................

     

Mais uma vergonha da imprensa!

(Ernesto Germano Parés 15/05/2008)

 

Hoje, lendo os jornais, fiquei preocupado com as matérias dizendo que “Interpol comprova autenticidade dos arquivos apreendidos das Farc”. O Jornal do Brasil, em uma matéria secundária, chega a afirmar que os presidentes da Venezuela e do Equador estariam envolvidos.

 

Claro que isto me interessa e preocupa, motivo pelo qual resolvi pensar um pouco sobre a matéria e fazer algumas pesquisas na internet.

 

A primeira idéia que me passou pela cabeça foi fazer a seguinte pergunta: “É legal a denúncia feita pela Colômbia de que teria encontrado provas contra os dois presidentes em um computador de um guerrilheiro das FARC”?

 

Bem, comecei a imaginar: pelo que sabemos através dos próprios jornais, os tais computadores teriam sido pegos (roubados) pelo exército colombiano durante uma incursão aérea a território do Equador, sem permissão deste, durante a noite do dia 1 de março, bombardeando o acampamento de militantes das FARC e matando indiscriminadamente, inclusive uma estudante mexicana que fazia um trabalho universitário. Em outras palavras, os computadores foram pegos sem qualquer acompanhamento pericial ou ordem judicial. Qual tribunal, no mundo, aceitaria estas provas? Só o Bush, é claro!

 

Mas, então, passei para a segunda fase do meu estudo e resolvi pesquisar. Descobri que o tal relatório da Interpol está disponível, na íntegra (94 páginas), para quem entender espanhol. Basta acessar em:  https://www.interpol.int/Public/ICPO/PressReleases/PR2008/pdfPR200817/ipPublicReportNoCoverES.pdf

 

Passei a ler o relatório (não terminei ainda) e encontrei contradições enormes entre o que nossa imprensa está noticiando e o texto dos peritos.

 

Em primeiro lugar, o chefe da Interpol deixa claro que “o conteúdo dos discos rígidos não foram analisados”. Os peritos apenas declaram que os discos rígidos externos não foram alterados. Os “discos”, não o conteúdo!

 

Na página 31 do relatório, encontramos uma informação muito importante. Os técnicos da Interpol afirmam que “as autoridades colombianas manipularam os índices dos arquivos e as memórias do computador”, concluindo que “o acesso aos dados contidos nas citadas provas não se ajustou aos princípios reconhecidos internacionalmente para o tratamento de provas eletrônicas por parte de organismos encarregados da aplicação da lei”. Precisa dizer mais?

 

Algumas páginas adiante, o relatório da Interpol diz que os discos rígidos externos foram “apagados no dia 3 de março” (ou seja, dois dias depois do ataque), em horários diferentes. Os peritos dizem ainda que “os três discos rígidos externos e as três chaves USB haviam sido conectados a outro computador, entre 1 e 3 de março, sem que tenham sido feitas cópias prévias, com imagens forenses de seus conteúdos e sem ser empregado dispositivo de bloqueio de novas escritas (write-blokers)”.

 

Bem, agora cada um pode tirar sua conclusão dos fatos. Convido a lerem o relatório... É um pouco longo, mas não deixa dúvidas de mais uma armação de Bush, Uribe e Cia, com o apoio da nossa grande imprensa tão preocupada com a “liberdade de expressão”.